Facilmente isto se confunde com a ideia de Rémi Boyer de que, no jardim, não há diferença entre o “dentro” e o “fora”. Mas não se pode confundir. Nesse estado de “modos”, a sua causa é o estado da Pessoa enquanto no jardim não há Pessoa alguma. Não há ninguém. Há apenas uma consciência sem Pessoa. Os acontecimentos desenrolam-se para além da vontade ou do desejo. Os próprios acontecimentos se situam na esfera do Ser. É o momento das constatações e não das intervenções. Sendo que essas constatações são, enfim, a grande intervenção, o grande raio que cai do céu. Quando no jardim, não há diferença entre o “dentro” e o “fora”, isso não acontece por nenhuma obsessão ou ideia fixa. Isso acontece no próprio fluir dos acontecimentos. O jardim dialoga com o jardineiro, não num mero jogo de espelhos, mas num autêntico processo criativo em que a acção e a reacção são apenas Um. O mundo não responde ao “interno” como se fosse uma lua meramente reflexiva, nem o interno reage ou provoca o mundo como se fosse também uma lua passiva dos reflexos mundanos. Um mundo reflexivo é um mundo semi-morto porque implica o não-movimento como estágio de morte. No jardim está tudo em movimento porque lá se encontra a Vida. Há uma finalidade última, como há sempre uma finalidade num gesto de criação. Essa finalidade última une-se à causa primeira ao ponto de não haver distinção. Há verdadeiramente um caminho dentro do caminho. Um caminho de vida dentro de um caminho de morte. Esse caminho é deveras muito estreito e apertado vivendo, no entanto, na mais pura liberdade do gesto. É um caminho sem erro porque o único erro consiste, paradoxalmente, em sair para fora desse espaço de liberdade e de silêncio de que nos fala Rémi Boyer. Não há rectificações de modo a que o objecto coincida na perfeição com o seu reflexo. Porque não há reflexos. Não é um caminho iluminado pela lua. É um caminho iluminado pelo sol.
domingo, 13 de maio de 2012
EXTRAVAGÂNCIAS II, 5
QUANDO O SOL BRILHA
Cynthia Guimarães Taveira
Facilmente isto se confunde com a ideia de Rémi Boyer de que, no jardim, não há diferença entre o “dentro” e o “fora”. Mas não se pode confundir. Nesse estado de “modos”, a sua causa é o estado da Pessoa enquanto no jardim não há Pessoa alguma. Não há ninguém. Há apenas uma consciência sem Pessoa. Os acontecimentos desenrolam-se para além da vontade ou do desejo. Os próprios acontecimentos se situam na esfera do Ser. É o momento das constatações e não das intervenções. Sendo que essas constatações são, enfim, a grande intervenção, o grande raio que cai do céu. Quando no jardim, não há diferença entre o “dentro” e o “fora”, isso não acontece por nenhuma obsessão ou ideia fixa. Isso acontece no próprio fluir dos acontecimentos. O jardim dialoga com o jardineiro, não num mero jogo de espelhos, mas num autêntico processo criativo em que a acção e a reacção são apenas Um. O mundo não responde ao “interno” como se fosse uma lua meramente reflexiva, nem o interno reage ou provoca o mundo como se fosse também uma lua passiva dos reflexos mundanos. Um mundo reflexivo é um mundo semi-morto porque implica o não-movimento como estágio de morte. No jardim está tudo em movimento porque lá se encontra a Vida. Há uma finalidade última, como há sempre uma finalidade num gesto de criação. Essa finalidade última une-se à causa primeira ao ponto de não haver distinção. Há verdadeiramente um caminho dentro do caminho. Um caminho de vida dentro de um caminho de morte. Esse caminho é deveras muito estreito e apertado vivendo, no entanto, na mais pura liberdade do gesto. É um caminho sem erro porque o único erro consiste, paradoxalmente, em sair para fora desse espaço de liberdade e de silêncio de que nos fala Rémi Boyer. Não há rectificações de modo a que o objecto coincida na perfeição com o seu reflexo. Porque não há reflexos. Não é um caminho iluminado pela lua. É um caminho iluminado pelo sol.
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Também me parece que o único erro é tentar «sair para fora desse espaço», o que em verdade não se faz de todo, mas apenas no gesto ou tentativa. Aqui pode caber a chamada «ilusão de separatividade».
ResponderEliminarA lua só ilumina porque há um sol. Portanto, a lua é reflexiva, «semi-morta», como diz a Cynthia. Sem por em causa tudo isto, creio, no entanto, que podemos introduzir aqui a ideia de «intermédio» ou «intermediário». Vejamos: nas condições actuais, a humanidade não pode suportar 24 h de luz solar. É bem de ver que logo os nossos corpos não suportariam. Assim, a luz da lua, sendo puramente reflexiva, proporciona um equilíbrio que de outro modo não seria possível. No plano do conhecimento, também me parece, pois nós sabemos que há pessoas que não só são incapazes de compreender a Verdade, como, em caso contrário, não suportariam sabê-la.
Eduardo Aroso
Sim. Não pretendo minimizar a lua, apenas mostrar que há a fina ponta da agulha na qual nos podemos equilibrar com apenas a ponta de um dedo. E que essa fina ponta, esse fino raio solar, é de uma intensidade tal, que pode iluminar o caminho lunar que fica em volta. Iluminar e transformá-lo. Daí que haja, de facto, um raio que ao cair, metamorfoseia, transmuta, de alguma forma, o pálido reflexo que é o quotidiano dos nossos dias…
ResponderEliminarCynthia Guimarães Taveira
De acordo. O que é preciso é não ficarmos DEFINITIVAMENTE "hipnotizados" pela lua!
ResponderEliminarEduardo Aroso
Adorei o texto, Cynthia.
ResponderEliminarSo a luz enquanto reflexo continua a ser ela mesma e apenas na sua ausencia podemos conhecer o seu contrario. no entanto sem consciencia nao ha luz, nem jardins nem lua nem sol.
ResponderEliminarSo a luz enquanto reflexo continua a ser ela mesma e apenas na sua ausencia podemos conhecer o seu contrario. no entanto sem consciencia nao ha luz, nem jardins nem lua nem sol.
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